Siarom Selopreih
A vida é poesia efêmera, que pereniza a nossa história.
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Textos
A morte de minha mãe

Escrevi muitos poemas para minha mãe. Frases. Ofereci inúmeros cartões. Sempre os escolhi sob o gosto dela. Algumas vezes, apenas, a minha escolha deveu-se exclusivamente ao meu gosto. A minha intenção, nesse caso, era de agradá-la. Como se desagradá-la fosse possível. Qualquer coisa que escrevesse ou, a ela oferecesse, achava maravilhoso. “Como o meu filho escreve bem! Como tem bom gosto!”.

Quando a minha mulher me chamou e ao quarto de minha mãe me dirigi, algo mais forte do que eu, na verdade, levou-me. Pus as mãos nos seus ombros, chamando-a. Naquele momento, os olhos dela procuraram os meus. Foi o último encontro, o último suspiro. Entendi que represara, com toda a força que tinha, a vida que lhe restava, somente para me ver. A fagulha de vida ,que daqueles olhos se depreendeu, atingiu a minha alma num fugaz e profundo adeus.

Mulher valente, minha mãe! Criou-me só. Com muito sacrifício. Longe do meu pai. Sem contar com ele. Entretanto, jamais disse uma palavra que o desqualificasse. Ao contrário. Cresci admirando o meu pai, meu grande herói. Obra dela. Jamais esquecerei do dia em que nos encontramos. Vê-los juntos. Conversando. Passeando. Nós três. Uma família. Presente dela. Se não fosse pelo empenho que teve, esse encontro não teria ocorrido.

Grande mulher, minha mãe! Ressaltou em mim as qualidades do meu pai. E assim, cultivei essas supostas qualidades. Quando o meu pai morreu, não fui indiferente, mas não sofri. Rezei por ele e agradeci a Deus. Meu pai era um homem bom, honesto, trabalhador.

O médico e os paramédicos tentando reanimar o coração da minha mãe enquanto eu segurava o soro e assistia àquela dramática cena. Gostaria muito de deletar da memória esse registro. Busquei na oração a minha força. Disse ao Senhor que se realizasse a vontade dEle, mas que não deixasse minha mãe sofrer.

Dos meus quarenta e seis anos de vida, trinta e nove vivi sob a presença da minha mãe. Ao me casar fui para Anápolis e ela ficou morando em Sobradinho. Nasceu Milena, a neta, dois anos depois, o neto querido. Cresceram. Ela se aposentou e foi morar conosco, provisoriamente. Até que o apartamento ficasse pronto. Financiou-o na planta. O apartamento estava sendo mobiliado, quando Milena teve o AVC e faleceu. D. Maria quase morreu também. Fez uma angioplastia. Implantou um estente. Debilitada, ficou conosco. Seguindo o tratamento, manteve uma boa qualidade de vida.

- Lamento muito. Sua mãe não reagiu. A situação é irreversível. Fizemos tudo o que era possível ser feito. Nossa equipe está profundamente triste.

Foram muitas as lágrimas. Uma profunda tristeza tomou conta de mim. Embora, sentindo-me em paz, tranqüilo e, racionalmente, reagido bem, entrei em depressão. Sem que percebesse, com o passar dos dias fui adoecendo. Primeiro uma amidalite, depois uma sinusite aguda; dores musculares, febre e por fim uma gastroenterite. O médico foi taxativo: Você está num quadro depressivo. Busque a ajuda de um Psiquiatra.

Quis deixar o emprego. Os meus colegas se manifestaram. Reagiram de uma forma extraordinária. Aos poucos, retomei a minha rotina. E antes mesmo da consulta marcada com o psiquiatra – que por sinal cancelei – recuperei-me substancialmente.

O hábito de dizer que “tudo está bem” e a minha discrição, aliados a essa distância físico-geográfica, tão acentuada por esse planalto, entre as pessoas, manteve a aparência de uma trivial normalidade. Não fosse a minha mulher e o meu filho...O apoio dos colegas. Não fosse o Senhor, que, certamente, no colo, carregou-me...

Vieram os sonhos. Ajudaram-me bastante. Neles, minha mãe sempre se apresentou bem, feliz. No último, participei do encontro dela com a minha avó, Auta, minha tia-avó, Quitéria e antes da aparição da minha filha, Milena, eu deixei o mundo de Morfeu. Impressionou-me esse sonho. Foi um longo encontro. A sensação é a de que sonhei a noite inteira.

A magia da vida é a magia da morte. Aos poucos, morremos todos os dias. Renascemos, também. Por divino mistério, renovamo-nos fisicamente menos, envelhecemos proporcionalmente mais. De tal forma, que a renovação se torna velha, na medida em que, no tempo, galharda e virilmente, avançamos. Por divino mistério e, de certa forma, por razões naturais, tornamo-nos inversa e despropositadamente mais sábios ou menos superficiais. A vida se entranha em nossa carne e atinge, fatalmente, nossa alma. Não encontrando alicerce naquela, sedimenta-se nesta. Assim ocorrendo, quanto mais vida temos, mais próximos da morte ficamos.

Quando há mais vida em nós é que a deixamos. A abundância de vida, exacerbadamente, em nosso ser, faz com que sejamos vulneráveis. A vida não cabe em si. E é por isso que se morre: por não se comportar tanta vida em um corpo que se renova, findando-se. Há que se buscar novos corpos. E só os corpos celestiais suportam tanta vida. Foi o que aconteceu com a minha mãe. E é, geralmente, o que acontece com as pessoas que amamos. Cheias de vida, transcendem-na. No corpo etéreo, ganham a liberdade dos justos e voltam a morar pertinho de Deus.








Siarom Selopreih
Enviado por Siarom Selopreih em 24/08/2008
Alterado em 13/06/2010
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